A Dança
As coreografias dos espetáculos da Companhia são igualmente inspiradas na diversidade das manifestações artísticas da cultura maranhense, destacando-se os passos que caracterizam os seus processos rituais, quer na dança individual de um personagem, quer na mise-en-scéne coletiva do grupo. Neste sentido, o que fica, como plástica visual, é mesmo a alegria de dançar, o prazer, a energia do corpo em movimento ao embalo da música, no pulsar dos ritmos, na cadência dos gestos, na ginga da gente plasmando o som, dando-lhe forma com o próprio corpo. Assim, os desenhos coreográficos também transparecem estilizações e criações, diretamente sobre passos característicos de certas danças ou sobre certos personagens em algumas partes dessas danças, evidenciando-lhes os movimentos do seu repertório mais expressivo, muitas vezes com a graça e leveza de um baiante, mesmo sem qualquer sincronia com os demais parceiros do cordão, outras vezes no improviso da liberdade de cada dançarino-nativo que também cria a sua dança no gozo da música.
A Fantasia
As indumentárias utilizadas nos espetáculos têm como pano de fundo principalmente o nosso artesanato de fibra vegetal, vindo da região turística de Barreirinhas - Lençóis Maranhenses, caracterizada por sua vastidão de areia e fantásticas dunas e cristalinos lagos azuis: são criações que aproveitam os meandros de urdidura dos tecidos das próprias fibras da palmeirinha de buriti, preenchidos pela alegria das cores e brilhos dos canutilhos, miçangas, fitas e fitilhos - a própria fantasia do Boizinho Barrica - onde é indispensável o velho toque de engenho e arte do povo, no prazer de criar fantasias. Estes bordados aproveitam as lições de arte dos couros dos bois, dos peitorais e saiotes das brincadeiras tradicionais, cobertos de reluzentes estrelas de prata, luas cheias de sonhos, quartos crescentes de amor, flores e bandeirolas nas janelas, bandeiras de estados, auras de santos e auréolas de anjos e arcanjo, paisagens e praças e monumentos e praias e pontos turísticos do Maranhão, como criações que se encontram nas indumentárias dos espetáculos juninos. Já no esquete carnavalesco "Bicho-Terra", sob a habilidade de artesãos em suas inovadoras concepções, fiando e tecendo a cada malha de buriti uma nova veste para uma nova personagem ou colando a sua máscara de papel machê no imaginário popular, desalinhando em fibras a sua cabeleira de palha de milho seca e esvoaçada pelo vento a desenhar risos e gargalhadas nas faces das crianças e de todos, nos dias de carnaval, como novos fofões da fauna maranhense. Por sua vez, as Cristinas de Jesus são os homens que dançam n’A Natalina da Paixão, à luz da “Fé Menina”, eternizados na sabedoria popular como “Mutucas do Senhor”, personagem símbolo do auto, em chambres brancos, ornados de flores e fitilhos, cajado na mão. As mulheres são patriarcas do povo bíblico, em túnicas em cores, lenço na cabeça.
A Razão
Concebida inicialmente como uma forma de integrar o conhecimento cultural, a experiência artística e a paixão pelas artes populares de uma geração de novos artistas da Madre Deus, a Companhia vem provocando – durante todos esses anos de permanente trabalho em prol da revalorização da cultura popular maranhense – um amplo questionamento entre artistas, autoridades e demais segmentos sociais sobre o verdadeiro papel do artista popular no contexto social e econômico da cultura, suscitando uma nova visão da sociedade para com as manifestações artísticas populares, intencionalmente chamadas e mascaradas de folclore, para ocultar um mecanismo ideológico que nega a essas manifestações o estatuto de cultura. Por isso, visando combater a este e a outros preconceitos, a Companhia adotou como base e inspiração dos seus espetáculos a coreografia das nossas danças e festas, os ritmos e compassos da nossa música, e como espaço cênico a liberdade das ruas e praças. Através do teatro de rua, instância vital de criação popular, trabalhamos a revitalização dessas danças, festas e ritmos, jamais esquecendo, por óbvio, que tal fato está intrinsecamente ligado às precárias condições de vida da nossa população, o que leva o artista de rua à constante mendicância por melhores condições para produzir sua arte, como para sobreviver dignamente.
A Música
São diversos os ritmos e os gêneros do grande cancioneiro popular maranhense que servem de base ao processo de criação dos compositores da Companhia nas músicas dos espetáculos, abraçando vários ciclos culturais do Estado. Como destaque os ritmos do Bumba-meu-boi, maior manifestação artística de identificação do maranhense, através das toadas e sotaques dos Bois de matraca da Ilha de São Luís, com seus pandeirões e grandes batalhões de brincantes; e os dos Bois de matraca do Vale do Pindaré, com seus cazumbas e seus chocalhos; e dos Bois de Zabumba da região de Guimarães, com seus retumbantes tambores e agudos tamboritos; e dos Bois de Orquestra das margens dos rios Munim e Itapecuru, com seu naipe de sopros e harmonias, e os Bois da batida de costa de mão do litoral cururupuense; como também o estalar das retintas no quebrar Coco e no rastapé das Quadrilhas; na cadência única da Dança do Lelê de São Simão; nas ritmias calorosas dos tambores de Crioula e de Mina; nas valsas e lapinhas das Festas de Reis, pastores e presépios natalinos; bem como nos cânticos e ladainhas do Divino Espírito Santo; e nos sons carnavalescos que interligam épocas: das batucadas antigas, aos Blocos de Ritmo, às Tribos de Índio, ao entrudo Baralho e aos sambas, frevos e marchinhas de Momo.
A Forma
A Companhia Barrica nasceu de uma rica proposta de trabalho comunitário em que se interligam várias experiências e formas de expressão artística, abrangendo canto, dança, música, literatura, artesanato e teatro de rua, em labor constante, num processo que já vem amadurecendo há mais de dezoito anos.
O conjunto de criação dos trabalhos desenvolvidos tem como base e inspiração as formas artísticas da cultura popular maranhense, sendo esta, por lógico, o referencial primeiro e o universo de todas as produções da Companhia.